Única
refeição diária de muitos estudantes, o desperdício gerou uma crise que afetou
as aulas recentemente.
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Foto: Viviane Souza |
Enquanto
para uns a alimentação diária é um artigo de luxo, para as escolas do município
de Canindé de São Francisco, o alimento tão sagrado e indispensável à vida, não
passa de um mero descarte que ornamenta as lixeiras das escolas municipais da
cidade.
Canindé
de São Francisco, famosa pelos Cânyons do Rio São Francisco e por ter sido
cenário de produções globais, a exemplo da novela Cordel encantado (2011) e
Velho Chico (2016), tem aproximadamente cerca de 28.279 habitantes, segundo
dados do IBGE. Desses mais de 28 mil habitantes, algumas centenas de pessoas
vivem em total situação de miséria, inclusive, sem ter o que comer todos os
dias.
Embora
essa informação tenha vindo à tona outras vezes, somente agora foi comprovado o
desperdício da merenda escolar em Canindé de São Francisco, causando indignação
à população.
Em
publicação na sua página no Facebook, a desempregada Viviane Souza, denunciou a
negligência da VBX (empresa responsável pela distribuição da merenda escolar em
nosso Município). “Olha pessoal, venho aqui mostrar o desperdício da merenda
escolar em Canindé de são Francisco, vejam a quantidade de pão com ovo que foi
para o lixo”, conta na postagem.
Segundo
Viviane, ela já havia alertado a VBX acerca da quantidade de alimento que
diariamente vai para o lixo, embora, a empresa tenha negado que isso aconteça
com frequência. “Venho mostrar aqui porque em um certo "debate”, me
disseram que não há desperdício algum, pois se isso não é desperdício, eu
preciso que me expliquem melhor o que é desperdício”, diz perplexa.
A
moradora do bairro Beira Rio, que têm sobrinho e primos que estudam nas escolas
municiais de Canindé, se mostra chocada e lamenta por tantas pessoas estarem
passando fome, enquanto há tanta comida indo para o lixo diariamente. “Tanta
gente na cidade com fome e esse tanto de comida jogada fora, comida que poderia
matar a fome de muita gente”, desabafa.
Programa Nacional de Alimentação
Escolar
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Foto: Viviane Souza |
Em
1955 foi implantado o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que tem
como objetivo garantir a merenda escolar aos alunos na educação básica
matriculados em escolas públicas e beneficentes.
O
PNAE é gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
foi ampliado e melhorado com a Lei nº 11947 de 16 de junho de 2009, que inclui
a alimentação como um direito do aluno e um dever do Estado.
Conforme
o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 54, é dever do Estado
assegurar à criança e ao adolescente total gratuidade a vários serviços
escolares, entre eles a alimentação.
Segundo
o Conselho Federal de Nutricionistas,a implantação da merenda nas escolas tem
como objetivo atender às necessidades nutricionais do educando durante sua
permanência em sala de aula, contribuindo para seu crescimento,
desenvolvimento, aprendizagem e rendimento escolar, bem como promover a
formação de hábitos alimentares saudáveis.
Contudo
a merenda escolar tem tido, nos últimos anos, graves problemas de
infraestrutura. Em maio de 2011 uma reportagem do Fantástico gerou polêmica na
sociedade brasileira. Após denúncias, a equipe do telejornal visitou mais de 50
escolas públicas, estaduais e municipais de cinco estados. Em João Pessoa (PB),
por exemplo, a quantidade de comida que poderia ser servida a cem alunos foi
jogada no lixo, também se constatou que muitos cardápios das escolas de João
Pessoa não atendiam às necessidades de calorias e de alguns nutrientes.
Em
Natal (RN), por falta de merenda, os alunos de uma escola estudavam duas horas
por dia.
Nas
cantinas das escolas de Canindé, a informação chegada às merendeiras, é que,
após a merenda ser servida, a sobra deve
ser jogada no lixo. “Nem levar para casa podemos”, afirma uma funcionária da
VBX, que prefere não se identificar. Ainda de acordo com ela, o desperdício é
constante e tem gerado muita discussão, principalmente com quem trabalha nas
cantinas escolares, que discordam da conduta da VBX.
A
funcionária ainda deixa claro, que também é comum o desperdício da merenda
escolar devido ao seu vencimento, sobretudo, nas férias ou recesso escolar. “Pão,
banana e outros alimentos perecíveis são muito comuns irem para o lixo”, conta.
Importância da merenda
escolar
A
importância da merenda escolar está comprovada em estudos e pesquisas. Um
trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicado em 2003,
revela que, para 50% dos alunos da região Nordeste, a merenda escolar é
considerada a principal refeição do dia. Na região Norte, esse índice sobe para
56%.
O
Ministério da Educação, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, garante a transferência de recursos financeiros para subsidiar a
alimentação escolar de todos os alunos da educação básica de escolas públicas e
filantrópicas. O repasse é feito diretamente aos estados e municípios, com base
no censo escolar realizado no ano anterior ao do atendimento.
Dos
milhões que o município de Canindé de São Francisco recebe anualmente para
investir na merenda escolar, um grande montante vai para o lixo todo dia, o que
poderia estar saciando a fome de muitos canindeense que nem sempre tem o que
comer, caso a VBX e a secretária de Educação trabalhassem com a conscientização
do não desperdício.
Uma
funcionária da Escola Municipal Maria do Carmo do Nascimento Alves, que prefere
manter sua identidade em sigilo para não sofrer possíveis represálias, garante
que já ouviu de Milton Nascimento, supervisor da VBX, que “colocasse a sobra da
merenda no lixo, fechasse o saco e jogasse água sanitária para ninguém
aproveitar as sobras, nem mesmo os cachorros”, diz apreensiva.
Quem
compartilha da mesma opinião é Edeneide Cruz Silva, servidora do município e há
quatro anos a serviço de uma escola da sede. Segundo ela, em certa ocasião testemunhou
também Milton jogando água sanitária na sobra da merenda para que ninguém
pudesse reaproveitar. Ainda segundo ela, em outro momento, “o ouviu afirmar que
quando sobrasse merenda era para jogar no lixo e não dar para ninguém”, relata
indignada.
De
acordo com o World Resources Institute (WRI) Brasil, uma instituição de
pesquisa internacional, no Brasil, anualmente, é desperdiçado 41 mil toneladas
de alimentos. Isso coloca o Brasil, segundo o instituto, entre os dez países
que mais perdem e desperdiçam alimentos no mundo.
João
Lucas Caetano, aluno de uma das escolas do Município afirma que nem sempre come
o lanche da escola, mas afirma que tem um respeito profundo pelo alimento
sagrado que chega à mesa: ”Aprendi em casa a ter respeito pelo alimento e não
desperdiça-lo”.
A
VBX refeições coletivas surgiu em 14 de maio de 2003, na cidade de Aracaju. Além
de fornecer a merenda às escolas de Canindé de São Francisco, atende também aos
municípios de Aracaju, Japaratuba, Pirambu, Laranjeiras e Itaporanga D’Ajuda.
Irailde
Gomes de Lima, mãe de uma aluna do 7º ano da Escola Municipal Agrovila, além de
questionar sobre o desperdício da merenda escolar frequentemente, afirma que o
lanche servido pela VBX é de péssima qualidade. “Nem sempre minha filha se
alimenta na escola. Há um desperdício enorme nas escolas do Municipio, além de
a merenda ser muito ruim. Por exemplo, o pão é péssimo, de péssima qualidade”,
declara.
O
desperdício descontrolado, aliado a uma dívida milionária do Município com a
VBX, segundo informações de uma fonte, gerou uma crise que afetou todas as
escolas do município na semana passada, mais precisamente na segunda, terça e
quarta, tendo a única refeição diária de muitos alunos suspensa e o cronograma
escolar prejudicado, já que devido à ausência de merenda nas escolas, muitos
alunos só tinham aula até o horário do intervalo.
Na
quinta-feira, 19/10, depois de constantes e infinitas reclamações de pais e da
população nos veículos de comunicação regional, cobrando um posicionamento da
administração pública, acerca do descaso com as escolas, o fornecimento da
merenda escolar voltou a funcionar normalmente.
O que dizem os envolvidos
Procurada
pelo JORNAL DO SERTÃO, a direção da Escola Municipal Maria do Carmo do
Nascimento Alves não quis comentar sobre a denúncia. O JS tentou falar também
com Milton Nascimento, supervisor da VBX Refeições Coletivas, mas ele não
respondeu às nossas inúmeras tentativas. Tentamos falar diversas vezes com
Alberto Jorge Franco Vieira, secretário municipal de Educação, mas ele recusou-se
a responder aos nossos questionamentos, entre eles, quanto a educação recebe
para a compra da merenda escolar, como também se ele tinha conhecimento do
desperdício da merenda escolar nas escolas do município.
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